segunda-feira, 22 de abril de 2013

CATA-VENTO

CATA-VENTO

Note a noite
neste norte
sopro, açoite,
vai que é sorte
cata-vento
vela vira
vem viver
seu sentimento
seja sede
sem soluços
seja fome
só do homem
que o delírio
vem da febre
e o martírio
do casebre.

Basilina Pereira


LETRA PARTIDA


LETRA PARTIDA

Qual o meu tempo na poesia?
Confesso aqui: não sei,
e asseguro que tentei,
mas era dia
de antigos itinerários:
calvários
dos parnasianos,
tantos fulanos
mal vestidos,
bem versados,
contando rimas poéticas,
estéticas.
Depois achei o que seria(?)
a poesia simbolista
vendendo a alma do artista
metafísica e musicada
em troca do símbolo (pleno)
na forma de Cruz e cisne – (pequeno).
Não me achei no calendário
desta poética lunar
não cantei com os modernistas
nem vi Tarsila do Amaral,
Bandeira foi pra Passárgada
com os sapos no carnaval.
Mas onde,céus, me coloco
com todo meu sentimento?
não quero me ver em “concreto”,
terei caráter social?
poesia-práxis é invenção
de um certo poema processo
que surgiu na marginal
com seu aspecto precário.
Busco de frente e de lado
e permaneço perdida
meu poema? não tem dado
é letra solta, partida.

Basilina Pereira

domingo, 21 de abril de 2013

GRADES

GRADES

Ainda que de contramão
quero libertar-me
de tantas incertezas.
Lanço meu apelo inexorável
sobre o vórtice desse abismo
que me habita...
sou um poço sem fundo
sulcando em direção à palavra,
aquela que transcende.
Fujo da penumbra do verso,
fico na dúvida entre
a rima e a não-rima,
que uma me espreita e a outra me chama.
Persigo o vocábulo preciso
que não se define nem se explica,
apenas capta a essência do instante.
E assim oscilo, exponho-me
para que o poema germine.

Basilina Pereira

sábado, 20 de abril de 2013

O PESO



O PESO

Outro dia, ouvi que a felicidade pesa.
Discordo.
Não são arroubos nem veemências
que garantem um pôr de sol alaranjado,
nem ousadias que modulam o canto do sabiá.
A felicidade é uma harpa a entoar o acorde certo,
na justa medida do possível:
sem excesso ou carência.
São tantas coisas pequenas:
(um encontro, uma lua, uma alvorada,
um abraço, uma rosa, uma palavra...)
e a gente encontrou a sorte,
bem aqui: em tudo...em nada.

Basilina Pereira

PALAVRAS AMENAS


PALAVRAS AMENAS

Talvez o canto que ouço
seja incapaz de jorrar
luzes sobre a minha vida
que quer palavras amenas
pra a humanidade ferida.

Há uma aleia de silêncio
sobre o hálito da noite.
Das estrelas descem jorros
que mais parecem açoite.

São tantas portas fechadas,
nem o vento tem passagem.

Bem que as flores reverberam
tal qual noite de luar,
mas elas são só aragem,
há muito chão pra limar.

Ainda quero palavras
que quebrem todas as mágoas
e digam que é bom amar.

Basilina Pereira

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A PROCURA



A PROCURA

Procuro um amor assim:
na medida do meu ser
que olhe fundo pra mim
sem a intenção de esconder

suas fraquezas e medos,
seu carinho de menino,
sua paixão, seu segredo,
mesmo quando em desatino.

Não precisa ser perfeito
de onde vem não me diz nada,
basta que venha com jeito
até o coração da amada.

Procuro um amor-entrega,
um viver em sintonia,
com a esperança que nega
o que não seja alegria.

Que queira estar bem com a vida,
braços prontos pra acolher,
mãos sinceras pra guarida,
... apto ao que der e vier.

Que queira subir o monte,
ver o sol amanhecer,
não tema pular da ponte
pra salvar o anoitecer.

Se alguém souber de algo assim,
avise o meu coração
que já vislumbra o seu fim
na mais total solidão.

Basilina Pereira

quarta-feira, 17 de abril de 2013

EMANAÇÕES


EMANAÇÃOES

Tenho desejos de esculpir a tua alma,
retirar toda a aridez fragmentária,
até restar apenas uma luz aveludada:
emanações do teu olhar.
Dessa experiência,
moldarei meu próprio íntimo
e então terei herdado a tua aura
e a tua essência,
assim como quem tira
o sumo das palavras.

Basilina Pereira

EPIGRAMA SEM FORMA


EPIGRAMA SEM FORMA

Quisera ser como o vento
sem forma, só pensamento...

Contornar vales e montes,
beber da água na fonte,

tecer o molde da noite
por uma estrela que foi-se

e pousar no tempo exato
entre as curvas dos teus braços

Basilina Pereira


terça-feira, 16 de abril de 2013

BRENHAS

BRENHAS

Andei, andei, devagar
depois apertei o passo
queria logo avistar
o outro lado do poço.

Andei, andei, mais depressa
com medo da ventania
transpus pântanos,florestas
e não vi o novo dia.

Andei, andei e corri
nas brumas próprias do escuro
e em algum lugar me perdi
entre o passado e o futuro.

Vislumbrei sombras alheias
que a minha luz era utopia,
senti meus rios nas veias
em caudais de maré fria.

Andei, corri, me embrenhei
em busca de alma recíproca,
mas digo que só encontrei
parco afeto, em dose pouca.

Basilina Pereira


SUFOCO

SUFOCO

Há uma noite inteira pra chorar
sobre a lágrima derretida
e um dia somente
pra ver que a mágoa
é palavra perdida
no labirinto sem cores.
O grito destrói o silêncio,
ignora a parede,
desarma a fúria,
liberta
o segredo e a solidão
ocultos no sufoco da palavra.

Basilina Pereira


domingo, 14 de abril de 2013

ESPERANDO A PRIMAVERA


ESPERANDO A PRIMAVERA

Esperei o novo dia
como sempre eu já fazia:
ali, sentada sobre a relva,
sentindo o cheiro da terra.

A chuva encharcou meus dedos
entre os assombros e os medos,
o vento, por fim, soprou
e nenhuma estrela brilhou.

Eu fiquei ali sozinha
com a dor que era só minha
e por meus olhos de silêncio
lágrimas molharam um lenço.

Chorei ausências e mágoas
querendo a luz na gota d’água.
-É pedir muito, primavera,
ser de novo o canto que eu era?

Basilina Pereira

sábado, 13 de abril de 2013

HORIZONTE

HORIZONTE

O horizonte sempre é
desafio, inquietação...
No poente tenho fé,
pois abre a imaginação.

É um canto de cotovia,
um crepúsculo em arrebol,
um arrepio na montanha
que aplaude o pôr-do-sol.

E cada estrela desperta
Traz um brilho diferente,
é a síntese maior da festa,
um motivo à nossa frente.
Basilina Pereira

CANÇÃO PARA CECÍLIA

CANÇÃO PARA CECÍLIA

Mergulhei no teu poema,
bem fundo, pra resgatar
o teu sonho do navio
que puseste a naufragar.

Depois sequei tuas mãos
molhadas de águas do mar,
senti as ondas voltando
para os teus dedos beijar.

E o vento vindo de longe
cobriu a noite e o vazio
gritou que estava morrendo
um sonho dentro de um navio.

Então pedi para o vento
se acalmar, fazer um ninho,
pra que o sonho naufragado
voltasse à tona sozinho

e nadasse até a praia
pra ver a beleza que existe,
pois um poema tão lindo
não merece um final triste.

Basilina Pereira


sexta-feira, 12 de abril de 2013

O CANTO

O CANTO

Há um pássaro que canta
todas as manhãs no meu quintal
e o seu cantar assim me encanta
pois nunca ouvi outro igual.

É um trinado longo, singular:
sereno, mágico, perfeito...
tem um ritmo modulado, angular
feito as batidas do coração no peito.

Outro dia procurei-o
no alto da mangueira, um lugar falho...
cheguei mais perto e o avistei
cantando acima, num galho.

Fiquei ali, quase em transe, extasiada...
Ele cantou e voou, sem despedida,
foi um momento daqueles que a nada
se compara, só mesmo à vida.

Basilina Pereira

terça-feira, 9 de abril de 2013

ROMARIA


ROMARIA

Não sei por onde
busco morada
só vejo o longe
e a madrugada.

Há um caminho
preso no vento
estou sozinho
em pensamento.

A noite esvai-se
não minha dor,
silêncio cai
e apaga a flor

que antes dormia
sono poético
além poesia
de rima e verso.

E assim eu sigo
por noite e dia
palavras tiro:
... boca vazia.

Sombra vai só
com a outra face
que espelha o nó:
no seu disfarce

da romaria...
seu passo lento
levou o dia
meu sentimento.

Basilina Pereira

NOITE


NOITE

Minha noite confunde-se com o oceano.
O silêncio que se esconde em meus olhos
camufla os vagalhões submersos
que se agigantam em ondas colossais.

Angústia, solidão, mágoa,
anseios, medos e dúvidas...
são as cores que cintilam entre as marolas
e se espalham com a maresia.

Lá no alto, as estrelas me desafiam
em apelos quase suicidas
por conta de um brilho antigo,
quase extinto...
que não sei mais onde guardei.

Entre as horas, minha seiva reluta.
Há um cálice mudo,
molhado ainda de amor
e um vento sutil a murmurar
que os sonhos navegam no escuro
e não deixam rastros na areia.

Basilina Pereira

segunda-feira, 8 de abril de 2013

RAZÃO E SENSIBILIDADE


RAZÃO E SENBILIDADE

A razão viaja num tempo
em que as pequenas flores
ficaram diluídas na memória,
sem néctar e sem abelhas.

Voz da razão,
onde está sua sensibilidade
pra ver com olhos de criança,
com o encanto da inocência,
onde todas as possibilidades
jorram de um brilho no olhar?

Basilina Pereira

PREVISÃO DO TEMPO


PREVISÃO DO TEMPO

Hoje o meu coração amanheceu com cheiro de chuva.
Olhando pela janela vejo nuvens furta-cores
e sinto um vento brando sussurrando magnólias,
enquanto o orvalho sinaliza:
não importa a estação!
No ar: prenúncio de tempo bom
lá pros lados da emoção.
À minha frente, a estrada nova
diz que vida é este instante...
Quanto vive a borboleta?
Acaso é menos fascinante?
Na memória sopra a brisa
salva o amor que ainda desliza
e atrás vem a saudade.
Abro os braços num sorriso
é tudo de que preciso
pra que o sol volte a brilhar.

Basilina Pereira





sábado, 6 de abril de 2013

PRIMAVERAS

PRIMAVERAS

Mais um aniversário.
Que mais posso desejar neste dia?
Acordo com uma orquestra de pássaros,
Abro a janela e muitas orquídeas me sorriem
com seu colorido sempre único
e algumas até me presenteiam com seu perfume.
A minha alma cultiva sorrisos
num universo que, em amor, delimitei:
minha família, meus amigos e a poesia.
Paro e penso...
A primavera se aproxima e já contei muitas delas
nem todas belas, mas vivi e ultrapassei.
Hoje sei que, se a brisa nos acaricia pela manhã,
é porque escolhemos deixar as janelas abertas.
Sempre há riscos: rajadas mais fortes,
redemoinhos e até tufões,
mas os perigos são o molde
por onde a lua brilha e a vida
faz valer o caminho.

Basilina Pereira


IMPROVISO


IMPROVISO

Estou com sede de poesia.
Os olhos querem marola
e a alma busca alegria.

Vou sonhar com seu sorriso
só pra ver se sua boca
me chama assim, de improviso,

e traga um verso bem plantado
no jardim que imaginei
percorrer todo a seu lado.

Basilina Pereira

segunda-feira, 1 de abril de 2013

DESCONCERTO


DESCONCERTO

Procuro meu lugar no tempo
fui de ontem
sou de hoje
... de amanhã?
Busco meu lugar no espaço
aqui

acolá?
Leio poetas antigos,
viajo, aprendo, ensino,
sigo o risco do destino
que não é outro, desde então.
Pesco poetas modernos
na sua ânsia hodierna, são tantos:
perdidos, sofridos, atônitos...
O mundo inteiro me desconcerta
e esta vida é muito instável.
De inevitável, só a morte
e os impostos, por ora!

Basilina Pereira