quinta-feira, 29 de junho de 2017

LAPIDÁRIO

LAPIDÁRIO

Viver é colocar à prova a resistência da pele,
evitar o que perfura a textura mais crua
e enfrentar a fúria dos ventos,
como quem sabe domar o vendaval.
E quando a tarde se fizer calmaria,
retirar a cinza dos olhos,
depois de acariciar o imo da alma,
feito o poeta que lima o verso atrás da poesia.
Nem tudo que fere resulta em cicatriz,
o mesmo fogo que queima,
em mãos hábeis,
transforma, lapida e aquece.


Basilina Pereira

segunda-feira, 26 de junho de 2017

CALOR DO NINHO

CALOR DO NINHO

Amputaram minhas certezas
sem vedar-me os olhos.
Todo aquele calor no peito,
matizes de luz e sombra,
levantaram âncora à revelia de meus apelos,
deixando para trás um vazio que nenhum vento preenche,
um silêncio abarrotado de lembranças
e uma pergunta que deu meia volta e afundou.
Atrás da casa, um ninho verdeja entre os ciprestes.
Dentro dele, uma alegria possível lateja,
vou calçar os sapatos,
quem sabe eles aquecem por dentro.


Basilina Pereira

quinta-feira, 15 de junho de 2017

OS TONS DO MOMENTO

OS TONS DO MOMENTO

Bebo a tarde desmaiando em tons agridoce.
Sua textura é suave, tal a brisa após a chuva,
feito o corpo entregue à colheita do depois.
A espessura do silêncio não tem vértice, nem curvas,
só uma sensação que cresce por dentro,
escava a estrutura do amor
como se o mergulho dentro do momento
afastasse o fluxo do tempo, o perigo da solidão.
Recolho a gota de alegria que vislumbro no canto da boca,
assim: um meio-sorriso ingênuo
como que caído de uma fenda imaginária
que abri para a felicidade se aninhar.
O relógio marca uma hora qualquer,
eu agasalho este sentimento que cresce,
à revelia do sim e do não.


Basilina Pereira.

domingo, 11 de junho de 2017

REDENÇÃO

REDENÇÃO

O poema está órfão,
o poema está mudo,
o poema está atônito, 
quebrado na origem, impedido de nascer
Ventos de longe me pedem que escreva
sobre um pedaço da tarde,
sobre o passado recente, o futuro remoto,
ou qualquer coisa que traga de volta o sol ao reinado dos dias,
mas todo meu ser se ressente
e arrepia diante do ninho de serpentes
onde a hidra se abriga.
Parada no tempo pergunto:
a que deuses apelar, para que a Ética e a Moral
retornem, redimidas,
e a poesia possa enfeitar a vida 
com beleza, decência e Justiça?

Basilina Pereira


segunda-feira, 5 de junho de 2017

INSIGNIFICÂNCIAS

INSIGNIFICÂNCIAS

O dia recolhe todas as insignificâncias
e as guarda no subsolo da noite,
para devolvê-las quando o momento girar.
O passante distraído perceberá apenas minúcias
e as olhará de relance,
sem alcançar seu valor e serventia,
mas o poeta colherá essas abstrações
e as converterá em poesia.


Basilina Pereira