quarta-feira, 21 de novembro de 2012

PALAVRA (QUE)BRADA

PALAVRA (QUE)BRADA

Ás vezes é quase nada
só uma noção de sentido,
um sentimento doído
de uma frase mal falada
envolta e jogada ao vento
 folhas de verdes dormentes
que com o vigor da semente
dilacera o sentimento.
Relâmpago na madrugada
risca o olhar e queima a pele
palavra (que)brada fere
se não for dimensionada,
é mais que vela partida
tem luz própria, feito brasa,
queima o sonho e dobra a asa,
devora com letra a vida.
Basilina Pereira

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O VERDE


O VERDE

 

A gente passa pela vida

ora amando ora sofrendo por um amor.

Uma vez me perguntaram o quanto eu era feliz amando

e como enfrentava os delírios da dor.

Respondi que meu jardim era sempre verde,

mas muitas vezes  não tinha flores.

Há quem saiba apreciar o verde

e também os que não vivem sem as flores.

Eu admiro todas as flores

mas aprendi a amar a orquídea.

Ela floresce apenas uma vez ao ano.

Sua flor é exuberante

e seu perfume...ah o seu perfume!

Sua floração dura mais tempo que outras

talvez para compensar a longa espera,

em que temos eu nos contentar

 com o verde de suas folhas.

 

Basilina Pereira

DESCOMPASSO

 

Entramos nessa estrada sem saber o que encontrar.

E na tentativa de acertar o passo,

cada um a mercê de seu próprio descompasso,

seguiu a estrela baça, solitária a nos olhar.

 

Ao longo do caminho, o silêncio perambulou solto.

Embora um mesmo cobertor envolvesse os nossos sonhos

a hora escura camuflou vultos  medonhos

e viu pedaços de ilusão boiar num mar revolto.

 

Por léguas, a viagem foi maior que a esperança.

Caminhos vazios assistiram a nevasca do amor,

onde teus passos, tua indiferença e teu riso sem cor

deixaram o inverno apagar nossa canção.

 

Tu detinhas o momento sem saber

e eu buscava aquele sopro de promessa

de mão nas mãos ou qualquer coisa mais que essa

aceitação de seguir só e ver meu rosto entardecer.

 

Basilina Pereira

 
SAUDADE

Era pra ser diferente
 mas um estrela cadente
aumentou minha fantasia
e eu sonhei à luz do dia
com fadas e vaga-lumes
e até senti o perfume
da trepadeira lilás,
cheiro doce de ananás
que vinha lá da varanda
onde se armava a ciranda
no quintal de chão batido
e tudo fazia sentido
de manhã ao entardecer.
Ouvi o canto das cigarras
que na maior algazarra
desafiavam os pardais
saltando sobre os beirais
do casarão de madeira.
E não foi a vez primeira
que imagens tão faceiras
me trazem recordações
de tão doces emoções
arquivadas na infância,
vivas e belas lembranças
das bolinhas de sabão
que me fugiam da mão.
Esses quadros na verdade
me acompanham na saudade.


Basilina Pereira

domingo, 4 de novembro de 2012

INOCÊNCIA


INOCÊNCIA

 

Bem no fundo deste mar

há uma concha bem fechada

lugar certo pra guardar

a pureza preservada.

 

Tantas águas já passaram

e sua crosta  inda resiste

seus veios já se afinaram,

mas a pérola ali existe.

 

Às vezes por atos falhos

 sonhos bons foram ceifados,

tantos gritos nos atalhos

e o horror dos mutilados.

 

Janelas vendem silêncio

e inconfessos patuás,

marcas tristes pelos lenços

perguntam: o que restará?

 

Pouca coisa , com certeza,

da esquecida inocência

flor ardida sobre a mesa

aguarda voz de clemência.

 

Ainda que o sol não venha,

mesmo que a lua se vá,

as estrelas têm a senha

e clamam pra luz voltar.

 

Basilina Pereira

 

 

sábado, 3 de novembro de 2012

MEU PAI E MAR

MEU PAI E O MAR

Meu pai não conheceu o mar.
Em sua solidão metódica,
penso que ele sonhava com a imensidão azul
que bailava pra lá e pra cá,
tendo como fundo musical apenas os acordes do vento.
Na luta de cada dia, aqueles olhos serenos
viajavam por distantes paragens
e, em constante solilóquios,
sondavam os limites do horizonte.
Sua maior ação – contemplação.
Noite após noite, mirava as estrelas
que se sobrepunham ao tempo e,
no espelho do céu, admirava as nuvens
em seu bailado indiferente
quando brincavam de fingir imagens
e depois se dissipavam no ar.
Ainda assim meu pai pensava no mar.
Mesmo quando a brisa amena da tarde
dobrava suavemente as folhas do arrozal
seus passos lentos sonhavam com ondas
que, possivelmente, viriam desabrochar na areia.
Entre os veios da memória guardei
muitas histórias de lobisomem,
 tantas lições extraídas de sua aritmética
e sua dúvida maior: onde será o fim do mundo?
Será que fica além do mar?

Basilina Pereira