domingo, 27 de julho de 2014

MUROS DE CINZA


MUROS DE CINZA 

Eram altos, pontiagudos,

prontos a devorar meus sonhos.

Eram densos, grises,

moldados pela incerteza.

E eu ali: na inocência das horas,

sendo bebida gota a gota pelo dia que não amanhece.

Ventos vorazes, como lâminas,

a rasgar-me a carne

e risos gaiatos a sinalizar o declínio da chama.

Presa apenas a um fio de esperança, pergunto:

onde ficaram meus pés?

 

Basilina Pereira

sexta-feira, 18 de julho de 2014

SEM PRESSA


SEM PRESSA
 

Em tardes maduras

o quase silêncio é desembrulhado

pelas sombras do tempo

que, por vezes, pesam

na paredes da memória.

Lembranças rasgam a solidez do pensamento

e irrompem.

Algumas consomem-se na palidez das horas,

outras reverberam em gestos minúsculos,

desgarrados de algum compartimento sem tranca

como se quisessem derramar soluços inacabados.

Sem nenhuma razão segura,

já não há mais pressa no olhar,

o desconhecido é só mais um ponto cego

que já não se esconde do medo nem da solidão.
 

Basilina Pereira

domingo, 13 de julho de 2014

POEMETO DO ENTARDECER


POEMETO DO ENTARDECER
 

Cheiro de chuva no vento,

sopro de versos nas folhas,

sol em dourado e cinzento,

lua espraiando nas bolhas

desse nosso sentimento

incrustado nas escolhas:

imagens de um só momento

na retina de quem olha

e consegue ver, isento,

que o entardecer também chora.
 

Basilina Pereira

 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

REFLEXOS


REFLEXOS
 

Uma gaivota bate asas

no fundo do teu olhar

seu voo é toque de brasa

chama que esvai, devagar.

 

Há um reflexo que me ofusca

quando olho pra este céu

não sei se a rima me busca

ou se o verso segue ao léu.

 

E entre nuvens que passeiam

por caminhos de água e luz,

teus olhos, é certo, semeiam

o brilho que me seduz.
 

Basilina Pereira

quinta-feira, 10 de julho de 2014

DELÍRIOS


DELÍRIOS
 

Quisera meu coração de madrepérola

(pela filha, não por ela)

e também por sua cor – aquele brilho boreal.

Meus cabelos nasceriam de um girassol

e cresceriam em pleno meio dia;

meus pés viriam de Pégaso:

tão fluidos que seguiriam o vento

e depois se agarrariam ao solo,

no frêmito da semente.

Nos olhos, eu queria um ninho de condor

e imaginaria asas em cada sopro

 que brotasse do pensamento.

Sei que há febre em meus delírios.

Às vezes invento prelúdios tão outros

que chegam a atormentar minha lucidez,

mas vem a noite e a lua me acolhe

e em seu lume eu posso ser

tudo aquilo que fugiu de mim.
 
Basilina Pereira

segunda-feira, 7 de julho de 2014

SONETO DA ESPERA


SONETO DA ESPERA
 

Voo no tempo que não vai nem volta

preso na tarde desses sonhos meus,

sei que a alvorada está para o poente

como os meus dias procurando os teus.
 

Se permaneço nesse céu sem cores

é pelos timbres que a memória guarda,

num vale longe onde mora o nunca

talvez  o sempre prepare a vanguarda.
 

Assim meus olhos colhem na janela

o canto aflito da ave ferida

pra transformar, quiçá, em aquarela.

 
E mesmo ali sob nuvens errantes

as horas dormem qual lua esquecida

e eu pesco estrelas qual fossem diamantes.
 

Basilina Pereira

sábado, 5 de julho de 2014

ANTIPOESIA

ANTIPOESIA

Haverá algo mais insípido
do que embalar a saudade num dia de sábado?
Só mesmo a cantoria
daqueles insistentes pardais
que desorienta a cavalgada do sono matinal,
e ignora as arestas do tempo.
Seu trinado é feito de quase luz
como um hino talhado na harmonia.
Eles alardeiam com júbilo sua cor marrom,
o mais monótono dos tons,
que nem figura no arco-íris!
Ah! esta antipoesia de hoje
até parece uma palavra afiada no escuro!

Basilina Pereira

quinta-feira, 3 de julho de 2014

TANGO


TANGO
 

O tempo segue

com o bailado submerso das ondas.

À tona, um vislumbre de tango

embalado pelo vai-e-vem do azul

que não tem a pressa, nem dúvidas.

Só mesmo o vento,

senhor da brisa e das tempestades,

semeia, como coisa fortuita,

a vibração do sentimento

que, quase sempre, desbanca

a previsão das palavras.
 

Basilina Pereira.