segunda-feira, 31 de março de 2014

PARÓDIA HUMANA


PARÓDIA HUMANA

 

Acordo com os vestígios da noite e eles me fogem

com a indiferença própria das sombras.

Será mesmo que sonhei

ou foi só imaginação?

Da minha mente emergem imagens

que, se não fossem tão duras, seriam fantoches.

Vejo um vazio de emoções

e, à minha volta, olhos indiferentes

vagueiam, autômatos,

engastados em rostos de mudez insustentável.

Paro e penso: quanto de mim

resistirá a esse tremor volátil que me assola?

Como definir o que me vai na alma,

se estou desprovida de sentido pleno?

Uma sensação remota me coage,

quer a essência do meu ser

 e não esse acúmulo de trapos

cosidos uns aos outros pelo avesso.

Ainda faço parte da paródia humana

que, em desalento, vejo reverberar?

Como janelas sobrepostas,

vou abrindo frestas na escuridão.

Será que alguém me entende?

 

Basilina Pereira

domingo, 30 de março de 2014

O INSTANTE REACIONÁRIO


INSTANTE REACIONÁRIO

 

O silêncio apodera-se da casa:

 frágil segurança

que me induz a pensar

nas verdades falsas que travam o destino.

Sórdido enredo que exibe

o retrato absoluto de uma face humana

e carrega, latente, réplicas camufladas

da sordidez – sempre a um passo

da incógnita que borbulha em violência,

da loucura submersa que transborda.

Instante reacionário, já não me pertenço.

Não me reconheço.

A hora presente já não me basta

para usufruir o gosto da liberdade

que me devora e transpassa.

 

Basilina Pereira

sábado, 29 de março de 2014


A POESIA DO MOMENTO

 

fica de vez escondida

ou cria asas de cordel?

Tenta sanar a ferida

ou fica apenas no papel?

 

 A poesia do momento

quer abraçar sua alma

de leve, tal  qual o vento,

afagando sua palma.

 

E depois quedar inteira

no regaço de um olhar,

acaso há outra maneira

de um sentimento aportar?
 
Basilina Pereira

 

sexta-feira, 28 de março de 2014

A VERDADE DE CADA UM


A VERDADE DE CADA UM

 

O meu lado bruxa

não conseguiu decolar,

continua atrofiado, rastejando pela trevas

e, vez ou outra,

recebe a visita de algum morcego.

Nesses momentos,

ora se beijam, ora se estranham,

mas ao fim se aceitam,

certos de que nunca saberão

a verdade um do outro.

 

Basilina Pereira

 

quinta-feira, 27 de março de 2014

EMOÇÃO


EMOÇÃO

 

É pra rir ou pra chorar?

Gritar ao mundo ou calar?

Não importa o sentimento

vale a essência do momento,

há que se mostrar a cara

verso firme se declara

com todos os “esses” e “erres”

e a emoção que a impele.

 
Basilina Pereira

quarta-feira, 26 de março de 2014

PENSAMENTOS GRATUITOS

PENSAMENTOS GRATUITOS

Uma ideia vaga me ronda,
insossa,
resquício de épocas remotas:
a resistência da paixão
até parece um vento suicida
crestado numa brecha de fraqueza
no momento em que os olhos se beijam
e a tristeza recolhe-se ao seu vazio.
É quando eu me pergunto:
de onde brotam
tantos pensamentos gratuitos
dispostos a desnudar essa chama
sem véspera, culpada,
de tantos pecados ocultos
no âmago do momento?
Será que a culpa brota do ato de lavar a mãos?
Por que então o sol se põe?
Um crepúsculo pra ninguém?

Basilina Pereira

terça-feira, 25 de março de 2014

ABSTRATO

ABSTRATO

O traço desafia o papel,
a mão do artista
e o olhar.
As cores mimetizam a retina e
ora falam
ora derramam seus tons
sobre a humana percepção.
Formas disformes
conformes
ignoram a coerência e sua concepção,
em redemoinhos e lufadas de tinta.
Estranhas visões
abrasam o olhar
e instigam a lógica da mente.

Basilina Pereira

domingo, 23 de março de 2014

CUMPLICIDADE

CUMPLICIDADE

Vaga música martela meus ouvidos,
quebrando um silêncio que não era de ouro,
mas valia cada nota sem eco.
E o relógio buscava a hora presente,
aquele lapso de tempo
enroscado em si mesmo
que ao piscar de olhos
já não é mais.
Mergulho no vazio pleno
de minhas perguntas abstratas.
Por que é mesmo que escrevo?
Por falta de outra coisa ou por um chamado ancestral
que me dita o ritmo das palavras
alheio a suas melodias e abstrações?
Volto ao ponto de partida
e lá está o violino plangente
que nem grita e nem se cala.
A noite deveria ser um tapete
a embalar o beijo das almas.
Na parede, um espelho baço
me sugere cumplicidade.

Basilina Pereira

sábado, 22 de março de 2014

COLEÇÂO

COLEÇÃO

Quase todo mundo coleciona alguma coisa.
Eu preferi não arriscar.
Talvez por falta de criatividade
ou, quem sabe, por um apelo inusitado,
pintei a vida em preto e branco
e, no jardim dos esquecidos,
decidi colecionar olhares:
olhar de tristeza,
de medo,
decepção...
faltam palavras
pra definir todos os sentimentos
esquecidos
entre um lampejo e um piscar de olhos.
E assim,
sem espaço e horizonte
sigo captando o brilho ou a sua falta
que nas madrugadas
transformo em versos.

Basilina Pereira

sexta-feira, 21 de março de 2014

UM SONHO

Eu quis construir um sonho
sem limite nem medida,
feito a alma do poeta
no instante da despedida.

Tive a visão do universo
no espelho fluido do mar
onde as estrelas pintavam
as letras do verbo amar.

Embalei então meu verso
no silêncio de um casulo
fiz da partida um regresso,
tornei claro o que era escuro.

Depois pintei na retina
a essência de um poema
e a imagem de tão bela
pediu corpo e uma forma.

Enquanto o mar e o céu
saudavam o novo dia,
adornei meu sentimento
e transformei em poesia.

Basilina Pereira