domingo, 29 de junho de 2014

ISSO


ISSO
 

Hoje o meu sentimento

segue....

à margem da palavra.

Impera uma sensação oclusa,

um repuxo além da razão

que destoa dos aromas festivos      

e do brilho incansável do dia.

Isso, que só o poema tritura,

tende a abafar os gritos

que o silêncio oculta

e perder-se

nos caminhos tecidos pela emoção.
 

Basilina Pereira

sábado, 28 de junho de 2014

VAGAMUNDO


VAGAMUNDO
 

Um rosto vago se alimenta

da multidão.

Anônimo,

segue seu ritmo,

como quem não tem pressa

de chegar.

Suas vontades confundem-se

entre um pedaço de conversa,

um perfume quase doce

um beijo atrapalhado.

No lodo da rua,

sua imperceptível presença derrapa,

apanha um olhar indiferente,

percebe o sorriso do mendigo,

seu gesto súplice,

aceita a mofa, dispensa o toque.

Em suas veias pulsam a noite e a solidão,

ele é só um vagamundo

que perdeu o porto

e a identidade,

mas não a lucidez,

esta sobrevive. em seu olhar.
 

Basilina Pereira

 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

CAMUFLAGEM


CAMUFLAGEM
 

De tantos que fui, já me perdi.

Só um pária imunizado pelas erratas da vida

permanece nesse vulto chamuscado de mistério

que caminha a esmo, no ritmo da brisa.

Sem surpresa, foge do carbono de si mesmo,

aparando as arestas das palavras

que se escondem no vínculo do papel.

Silêncio branco!

É importante refazer o voo,

aprisionar o tempo de alegria...

Quem sabe um resíduo

de uma felicidade inusitada

vivida num outro tempo.

Volto ao espelho: mudo!

Nem sinal do espírito das chamas

que ousou desafiar as espadas lascivas,

a chicotear o tempo e o medo.

Quantos ainda serei?

Por minhas mãos líquidas escorre o enigma

de todas as vidas camufladas numa só.
 
Basilina Pereira

quinta-feira, 19 de junho de 2014

O ARCO-ÍRIS

O ARCO-ÍRIS.
 

Difícil tangenciar

essa volúpia secreta

escondida no brilho do olhar.

Nem as previsões mais ousadas

sustentam a imagem em negativo

dessa carne frágil

onde repousa a humanidade.

Há um sopro que flutua no cosmo

sujeito a impensáveis voos

e à textura do sentimento.

A alma viaja por onde a imaginação alcança

e a pele é o limite

que separa o orvalho das chamas.

No tempo certo,

o vento desenha o abraço

entre a luz e os pingos da chuva.
 

Basilina Pereira

terça-feira, 17 de junho de 2014

INQUIETAÇÕES II


INQUIETAÇÕES II
 

Olho a paisagem nova

com olhos da cor de ontem,

mas só vejo o ar inquieto

e o horizonte abstrato.

O mar grisalho navega as mesmas ondas

com a paciência dos galhos

que não têm data para florescer.

Instigada, pergunto-me:

onde buscar uma borboleta,

uma gota de orvalho,

com laivos inusitados?

Exploro arredores,

corredores sem portas,

janelas sem amplidão.

Leio livros de Sartre, Drummond e Clarice,

procurando o acervo de ternura

que possa durar além dos dias.

....

Terei que cultivar terras mais férteis

para limar  meus sentimentos?
 
Basilina Pereira

 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

CAMINHADA


CAMINHADA 
 

Às vezes é preciso renascer

das cinzas que cobriram nossos sonhos

e fazer da caminhada - prazer -

 mesmo ao lampejo de um trovão medonho.
 

Em toda estrada sempre há tropeços.

Viver é gloria e também perdição,

o tempo é fluido desde o seu começo,

não vinga a flor que nasce da ilusão.
 

Que bom seria se todos os males

só fossem lendas de outra existência,

mas eles cantam em todos os lares

não conta a grei ou  sua descendência.
 

Nesta vereda sigo e mais não sei

nem há oráculo que possa explicar,

mas se tranco a vida nunca enxergarei

o quanto uma emoção pode brilhar.
 

Basilina Pereira

quarta-feira, 11 de junho de 2014

BRANCAS NUVENS


BRANCAS NUVENS
 

Esta noite passou em brancas nuvens:

nenhum vento na janela,

nem o cachorro latiu.

A festa do vizinho gorou,

o telefone não me trouxe aquela voz,

o galo...onde foi parar o galo?

No céu, silêncio de estrelas,

uma lua reticente

 e muitas respostas à deriva...

só achei filmes sem cor na tv

e perguntas sem coragem de nascer
 

Basilina Pereira

 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

OUSADIA


OUSADIA
 

Às vezes me invento poeta.

Ousadia de quem não tem medo

de turvar as primaveras.

Cometo excessos,

me rendo ao cansaço e sofro...

Vez ou outra um gesto insano

desafia aquela chuva teimosa

que molha meus pensamentos

e eu me afogo em lembranças

aprisionadas no triunfo

de uns poucos versos

insossos como a fria água partida.

Tento lustrar os vocábulos

mas o brilho está além de algumas rimas.

Só então percebo que para o poema florir,

há que se adubar as palavras. 

Basilina Pereira

 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

APELO


APELO 

Lua cheia em plena nave,

mãe do espaço estelar,

eterniza esses meus versos

como faz com a onda do mar!

Irriga o meu sentimento:

este elã que não tem par,

nas ondas do pensamento

e em teu brilho quero estar,

flutuando sobre  as rimas

ao encontro do verbo amar.

Na lâmina que corta a dor

na verdade a se buscar

no antídoto do engano

com paixão quero ficar.

Tanta pergunta latente

e resposta sem lugar,

mas o tempo do poema

esse não pode acabar! 

Basilina Pereira

segunda-feira, 2 de junho de 2014

CISMAS


CISMAS
 

Sou filha da primavera,

quero a chuva pra florir

tenho tanto pra dizer,

não dá mais pra só sentir.

 

Mas o que sinto e não nego,

só vai caber num poema,

no recinto das palavras

que bordam rimas serenas.

 

Vou falar do voo nascente,

que rasga o medo no escuro

dos sonhos vivos, recentes,

que um dia serão maduros.

 

E entre as outras estações,

quando eu tiver que fugir

do calor ou neve opaca,

mesmo assim vou transgredir

 

a orla do pensamento,

riscar o fundo do abismo,

voltar a qualquer momento

com tudo aquilo que cismo.
 

Basilina Pereira

 

domingo, 1 de junho de 2014

A PROMESSA


A PROMESSA
 

O sol se deita com as lembranças

e feito um deus crepuscular

mergulha na noite

atrás da lua.

Seu desígnio é estar preso

à promessa de voltar.
 

Basilina Pereira