domingo, 23 de abril de 2017

SOBRE OS LIVROS

Tenho um fascínio pelos livros,
a começar pela capa,
onde tento ver, pelo avesso,
como seria um dia de sol
batendo nas geleiras do Ártico,
enquanto os salmões escrevem o poema de suas vidas
entre um salto bem sucedido
e a arcada dentária de um urso faminto.
Depois vêm as orelhas,
que degusto, com perspicácia,
tentando identificar o sabor de cada palavra
que me antecipa a natureza da viagem.
Por último, o mergulho.
Nunca se sabe o tamanho do risco,
mas uma coisa é certa: ninguém volta o mesmo
depois de salvar as palavras

do esquecimento e da solidão.

Basilina Pereira

domingo, 16 de abril de 2017

O BOSQUE


O teu sorriso talhado em pedras,
a rosa presa no olho da tarde,
a haste do afeto sem folhas, sem chão.
Minha incerteza pousada no silêncio da tarde
e tua voz, calada e tesa,
perdida no bosque de minha lembranças.
O dia segue preso, como a indicar o caminho
entre os bosques de galhos secos e perguntas
que desfio para tecer o manto
onde bordarei minha solidão.
Mantenho assim: abraçada ao regaço de uma espera
que me faz querer todo o viço das rosas
no brilho do teu olhar que mira, mas não me vê mais.


Basilina Pereira

terça-feira, 11 de abril de 2017

ROTINA

O dia amanhece calado,
o quarto espreguiça uma boa segunda-feira,
a cozinha espera por aquela mão artífice
que vai emoldurar o café,
expor as xícaras na posição certa
e, se o tempo permitir, ventilar alguns ovos
com aroma de manteiga e pão.
O jardim reclama do sol: conversa mole,
ontem teve chuva, apesar de hoje
a torneira lacrimejar apenas alguns pingos.
A rua começa a conversar com os carros,
ninguém acorda impunemente:
o filho a caminha da escola
soletra quiosques no seu verbete infantil
e meu coração não soletra nada.
É só mais uma manhã
entalhada num totem de afazeres.


Basilina Pereira

quinta-feira, 6 de abril de 2017

NO MUNDO DA POESIA

NO MUNDO DA POESIA

O dia não cabe no molde,
ontem foi outra forma
que derreteu com o pôr do sol.
Há que se inventar diversa alvorada,
com pássaros novos,
palavras que sobrevivem no deserto
a golpes de espada e iscas de escorpião.
Se a bromélia florir sem a chuva, é sinal de mudança:
pode ser que a poesia se abanque na beira do rio
e convença os peixes a jogar flores para os ribeirinhos.


Basilina Pereira

segunda-feira, 3 de abril de 2017

RENOVAÇÃO

RENOVAÇÃO

A palavra sangra na vertente do sentimento.
O vento sopra nublado
e a madrugada não quer florir.
O poema resgata lembranças
de joaninhas colorindo a grama,
borboletas em seu voo bordado
e vaga-lumes pontilhando o horizonte.
Há de haver um lugar
onde a esperança seja mais que um inseto verde
e a gente possa acreditar
que a vida é, sim, um caminho
onde se possa recomeçar.

Basilina Pereira