domingo, 24 de setembro de 2017

OS NÓS

OS NÓS

Existem nós que  não ajustam,
apenas prendem a linha
que não foi feita para o cárcere.
Ao unir dois pontos divergentes,
um se debruça sobre a ponta visível,
mas o outro esquiva sorrateiramente.


Basilina  Pereira

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

SER POETA

SER POETA
Ser poeta é ter fome, é ter sede de infinito. Florbela Spanca

Ser poeta é ser solo de drenagem,
um ser que veste a sombra para confiscar a luz
que brota, ardente, nos veios da madrugada,
em sonhos malversados feito rajadas de frio.
 Ser poeta é doer mais do que se pode
aguentar, sem um gemido o desamor,
a ausência que lampeja a todo instante,
no vazio que se faz maior que o mundo.
Ser poeta, muitas vezes, é andar só
pelas horas do instante absoluto,
é ter fome de um amor preso na lenda
e sede, muita sede, junto ao rio.

Basilina Pereira


domingo, 17 de setembro de 2017

DO PERDÃO

DO PERDÃO

Deixar sangrar a raiva,
até esvaziar o ego.
Depois, cobrir o sonho que vagueia,
à espreita,
como se o verbo tivesse caído do ninho.
O chamado da vida quer eclodir,
como a primavera em campo sem mágoa.
Cada verso do poema é uma seta de duas pontas:
uma voa descascando a palavra
que um dia reverberou fora do tom,
outra volta, renascida,
com asas de borboletas.

Basilina Pereira


domingo, 10 de setembro de 2017

MANHÃ DE DOMINGO


MANHÃ DE DOMINGO

E o domingo chega vestido de aromas,
(e ainda nem é primavera!)
ignora os gestos do sol na moldura das sombras,
só para cuidar da melancolia
que ronda teu corpo, tua mente, tua memória.
O tempo é sempre agora (convicção)
preso ou não na órbita da alegria.
No fim da curva,
muitos domingos terão desfilados por nossas vidas:
em prosa, em versos ou em gestos finitos.
Ou se escreve a vida em cores risonhas,
ou se constrói um túmulo sem galhos,
onde nenhum pássaro virá pousar.


Basilina Pereira

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

A ESTRADA DO ESQUECIMENTO

ESTRADA DO ESQUECIMENTO

Não há ontem, nem hoje.
Talvez amanhã.
Contudo, é apenas uma miragem
bem no fundo do espelho,
onde as olheiras dos sentidos
desenham formas de não saber
até onde a imaginação e a vontade
são capazes de produzir vibrações
para que a alma, miúda e trêmula,
ganhe roupagens de um depois.
A única coisa certa é a estrada.
Essa que não tem lonjura nem direção certa,
apenas  vultos de momento, sem cor, nem forma:
um desafio aos ouvidos do sentir.
É sempre adiante esse caminho abstrato,
uma escuridão a ser pisada,
para que a mão, a voz e os sons que brotam das trevas
possam hibernar na memória  
numa aventura de esquecimento.

Basilina Pereira


quinta-feira, 7 de setembro de 2017



A PÁTRIA E A NUVEM

Choras hoje, mãe gentil?
Teus filhos semeiam passos
e esperam que a terra prometida por Caminha
não seja, para sempre, um  campo ainda a ser sulcado
e as sementes do milagre não venham a ser afanadas
pelos condores do poder. 
Cada grão pilhado abre em mim uma cratera:
espanto, incredulidade, revolta!
 Com a esperança que sobra,
invento um país nas nuvens
de onde possa chover decência
sobre nossos pés descalços.
Refaço, na mente e na carne,
a pergunta que se esconde atrás de mil portas
para não ser desvendada
se um dos grãos decidir germinar.
E cogito, num poema, que a verdade há de vir,
nossos pés terão sapatos,
nossas mãos saberão acolher e compartir
e os olhos, já sem descrença,
contemplarão dias de nuvens
que se farão belas para cortejar o sol.

Basilina Pereira

domingo, 3 de setembro de 2017

A VOLTA

A VOLTA

Aprendi com as primaveras a me deixar cortar e voltar sempre inteira. Cecília Meireles

Não me deixo cortar por vontade,
a lâmina que fere por dentro
é sorrateira e camuflada.
Sob um rosto ilegível
esconde-se a dimensão do logro:
olhar quente, entregue pela metade.
O sumo que escorre feito sombra
mascara a exatidão do corte,
age como se minha sina
fosse bailar à luz de um sorriso,
mesmo na mais plena escuridão.
Não! Não é!
Mas depois das lágrimas e uma chave sem porta,
o vento varrerá os telhados
com toda a força da primavera
e eu voltarei (...) na metáfora de um poema.

Basilina Pereira