quarta-feira, 14 de abril de 2010

RECORRÊNCIA



Acordo mais uma vez


após o mesmo sonho:


estou descalça no meio da multidão.


As pessoas me olham em desafio,


como se cobrassem uma adequação.


Sou inadequada: piso direto no chão


e sinto as pedras se movendo sob os pés.


A noite me desafia com seu silêncio.


A falta de palavras inibe o pensamento,


como se a ausência do som


espremesse minhas ideias.


A sensação é de nudez:


uma vida está vulnerável


porque falta uma peça no quebra-cabeça,


este que se insinua no meu sono,


e quando abro os olhos é vazio.


Os ecos da memória estão presos numa caixa,


cuja senha talvez seja a palavra “sapatos”.


Por que preciso deles,


se minha identidade está nas linhas da mão?


Até quando terei de me esconder no vão dos dedos


onde as reprovações não alcançam?


Basilina Pereira
ALTERNÂNCIA


Tenho dois cordões


que controlam meu pensamento:


um avança, o outro recua


e os dois se debatem sobre o ponteiro


que marca sempre a mesma hora.


Enquanto eu ergo os olhos,


uma luz me ultrapassa os cílios


por onde vejo dois faróis:


seus olhos continuam ali, indefinidos.


Se pelo menos houvesse uma fissura


por onde escorresse uma lágrima,


eu saberia...


mas na alternância das sombras,


só esse vinco rugoso


que desconhece


o quanto dói não saber.


Basilina Pereira