sexta-feira, 30 de maio de 2014

O VULTO


O VULTO
 
Um vulto na paisagem
e a montanha bem ao longe
rebate a poeira da estrada.
A planície já sumiu com o verde
e o riacho, pobre de peixes, tem que reinventar
o fluxo da vida.
Sob o azul disfarçado de nuvens
o engarrafamento dos sonhos,
numa leva de espinhos
que se debate entre a fumaça
do próprio sangue.
Já não há janelas brancas
e as chaminés vomitam pedras conformadas
no colo do asfalto.
Mais à frente é noite
e não adianta
ir atrás das borboletas. 
Basilina Pereira

quinta-feira, 29 de maio de 2014

ORAÇÃO


ORAÇÃO
 

Hoje eu quero colher no vento

 o milagre de cada dia,

a esperança cheia de ninhos

e muitas palavras abertas para o sim .

Mas se por qualquer acaso

as pedras insistirem no não

e o sorriso se recolher ao engano,

que não me falte coragem

para seguir em busca

da verdade, do sonho

e do perdão.
 

Basilina Perera

segunda-feira, 26 de maio de 2014


O QUE TEMPO NÃO LEVA
 

O relógio da parede

recusa-se a prender a hora.

Em sua trajetória de sonhos,

 só faz repetir o instante:

fragmentos perdidos  e não vividos.

Ah! como esse  pêndulo nos devora!

Leva embora o nosso brilho

e nos devolve opacidade.

Até um traço de azinhavre

deixa escondido entre lembranças

sobrepostas em camadas

que, ao final, é quase nada

ante a voracidade do tempo

que camufla as emoções

e dissipa até a mágoa,

só não... as ideias:

essas permanecem

e renascem numa gota de orvalho.
 

Basilina Pereira

domingo, 25 de maio de 2014

TALVEZ


TALVEZ
 

Talvez um dia seja pouco

pra eu  me lembrar do teu olhar;

talvez um mês não seja tanto

pra tecer versos ao luar;

talvez um ano seja nada

ante o meu desejo

de te amar mais do que posso.

Talvez a minha incerteza

seja a única coisa certa;

talvez... a minha saudade

seja tudo que ainda resta.

 

Basilina Pereira

segunda-feira, 19 de maio de 2014

BUSCAS INCERTAS


BUSCAS INCERTAS
 

Quantas rugas a franzir os cenhos

que cavalgam buscas incertas

em cada existência desfocada.

Nenhuma nau está isenta

do tufão que varre a margem oposta.

Lá, onde o grito é mais agudo

é difícil camuflar a mágoa

que consome as metáforas da noite.

Foram abolidas todos as mezinhas

que abrandavam as artérias cansadas

e faziam florescer o sorriso.

Agora, apenas o galo canta como antes,

mas o homem só se levanta

com o despertador.
 

Basilina Pereira

domingo, 18 de maio de 2014

O PENSAMMENTO DAS ESTRELAS


O PENSAMENTO DAS ESTRELAS
 

Eu costumava ler

o pensamento das estrelas.

 Em noites de vaga-lumes,

elas piscavam em dourado

e escondiam as outras cores,

para que eu  decifrasse o seu segredo:

queriam o vermelho: sem sangue,

o preto fora do luto,

o verde com a esperança

e o azul em tons de festa.

Quantas brincadeiras!

Por vezes, elas me pregavam aquele susto:

lançavam-se em queda livre

e deixavam um risco de ouro no céu.

E aí eu pensava: como não atinei para isso?
 

Basilina Pereira

sábado, 17 de maio de 2014

SEMANINHA


SEMANINHA
 

Segunda-feira: dia duro

e o  poema sai escuro
 

querendo logo que a terça

com a alvorada amanheça,
 

prometendo linda quarta:

tempo bom e  mesa farta.
 

Quinta-feira já anuncia

bons auspícios, primazia
 

sobre a sexta que é bem gorda:

bar... cerveja até a borda
 

da tulipa colorida,
 que sábado ainda tem lida.
 

Descanso? Só no domingo

com versos cor de  flamingo.
Basilina Pereira

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A NAU DO POETA


A NAU DO POETA
 

O poeta é navegante das estrelas

vai destilando sua lágrima pelo abismo

enquanto singra pelo céu sua caravela.

 

Sua rota libertária é a poesia

que, a despeito do verbete e o solecismo,

em volteios ele persegue noite e dia.

 

No seu íntimo os anseios vêm em série

da coleira querem fuga para o verso:

único barco que não teme as intempéries.

 

Lá, muito além, deve haver mais segurança

entre as vogais e consoantes do universo

mas ao poeta o que não conta é a bonança.

 

E assim: cônscio do que achou e que perdeu,

conduz a nau em abstrato pelos ares

sem entender o que busca o outro eu.

 
Basilina Pereira

quarta-feira, 14 de maio de 2014

MINHA ESTRELA


MINHA ESTRELA
 

Minha estrela se afogou em alto mar,

queria o brilho

que avistou na superfície.

Veio uma onda,

de surpresa,

assim feito um turbilhão

e o seu brilho,

matéria tenra e frágil,

foi ao fundo

talvez atrás de um vulcão.
 

Basilina Pereira

 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

ENTRELINHAS


ENTRELINHAS
 

Há caminhos impossíveis

que só se vê por murmúrios

entre as palavras legíveis

vivem fonemas escuros

 

prenhes que são de mais letras

vindas de outros alfabetos

que buscam  ver nas retretas

a cor do som, em concreto.

 

Há um hiato na parede

um instante, quase nada,

entre a história que é ouvida

e aquela que é contada.

 

 O vento que rouba a folha

espalha cor no jardim

a flauta que toca o não

é a mesma que entoa o sim.

 

Nas entrelinhas da vida

moram mistérios, senões,

pra colher a margarida

há que regar os botões.
 

Basilina Pereira

domingo, 11 de maio de 2014

CONTROVÉRSIAS


CONTROVÉRSIAS
 

Se “nada é por acaso”,

como dizem,

 leio aí: todas as coisas,

mas se “tudo

acaba em nada”

nem vale o suor da mão.

Em que pese a nada ser

sou tudo que vem do nada:

palavras, ossos, desejos...

estoico fardo: viver

 uma vida no limite

no vórtice da  madrugada

viés de palavra seca

legado escuro, mansarda

entre o pleno e o vazio

 medra a luz

 que expulsa o nada.
 

Basilina Pereira

 

sábado, 10 de maio de 2014

LIBERDADE


 LIBERDADE
 

É a força do pensamento

no espaço que é só seu,

é aquela vontade única

que ainda ninguém tolheu.

 

É o canto do sabiá

ondulado de emoção

entre as folhas da mangueira

numa tarde de algodão.

 

O horizonte em alto mar

com a brisa de encontro ao peito,

o poeta em utopia

rumo ao poema perfeito.
 

Basilina Pereira

 

quinta-feira, 8 de maio de 2014

DUELO DE SONHOS


 

DUELO DE SONHOS
 

Uma nuvem de chumbo anuncia:

chuvas na orla do pensamento

e, na superfície, muitos anseios

querem sol e a luz do dia.

No céu, eclipse lunar.

Aqui, um duelo de sonhos

atropela signos abstratos

e a poesia, surpresa, colhe

a realidade efêmera do mundo:

 tantas cores, diversos valores,

instantes vazios, calafrios,

sentimentos, delitos isentos,

o fim trágico e o recomeço.

Só a palavra viva resiste

como vestígio da têmpera

que ainda habita o porão da alma.

Em meio ao que sonho e ao que sou,

o poema acontece.
 

Basilina  Pereira

quarta-feira, 7 de maio de 2014

O LIMITE


O LIMITE
 

No meu anseio ainda é véspera.

A palavra arde no hemisfério da boca

como a esperança de ré.

Há uma múmia crucificada,

alimentando meus medos

e minha bússola se fragmenta

em arroios indefinidos.

Quero juntar pedaços,

chegar ao cerne,

apagar a flama da luz

que ofusca o brilho das estrelas,

mas só há fragmentos.

O percurso escorre sem direção

e meu olhar desfocado

procura o fogo ancestral

pra descobrir o limite

entre o espinho e a flor.
 
Basilina Pereira

terça-feira, 6 de maio de 2014

TORNEIOS MENTAIS


TORNEIOS MENTAIS
 

Em sonho, piso o telhado da noite.

De lá, vejo estrelas surreais

e fico imaginando como fracionar a lua.

Quem sabe... num dia de chuva...

figuras ambulantes pelas varandas

alimentado meus torneios mentais.

Quantos sentimentos avessos,

amores desencontrados,

feridas que o tempo não curou

e, por vezes, me olham de soslaio!

Em meio a um cansaço moído

procuro o verso indefeso.

Que ele possa reinventar as tardes antigas,

quando o vento era quase uma canção-menina

e as flores, ainda despertas,

guardavam em seu perfume

a promessa a se cumprir.

 

Basilina Pereira

segunda-feira, 5 de maio de 2014

BARBARELA


BARBARELA
 

Por uma janela inusitada

afino meu destino

na poeira das estrelas.

Colho o legado do tempo

e semeio meus versos híbridos:

solstício de uma rima remota,

herdada dos parnasianos.

Os ícones cravados na parede,

estigma dos insurretos,

querem embargar o poema.

Meu íntimo resiste:

a poesia retrusa me restringe a alma.

Sou Barbarela saindo em defesa da flor,

quero seu vértice no vento

e a vazão do sentimento.
 

Basilina Pereira

domingo, 4 de maio de 2014

A COR DO POEMA


A COR DO POEMA
 

Não sei fazer versos grises.

Contorno, retorno e lá vem

as cores camufladas nas palavras

veladas, mas cobertas

pela fumaça do arco-íris.

Sei que a vida, às vezes, se ressente de brilho

e o poeta carrega um rio nos olhos,

mas o poema! Ah! o poema!

No seu silêncio caloroso,

revela a resistência das manhãs de sol

e qual um chafariz no meio da praça,

parece dizer: - bom dia, aquarela!

 

Basilina Pereira

 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

O AMARGO DA LÍGUA


O AMARGO DA LÍNGUA

 

A tarde me recebe sonolenta,

cinzenta, até parece uma nuvem descontente.

Rabisco cicatrizes em forma de poemas,

emblemas iguais àqueles tantos

cujo encanto

ficaram pendurados nas manhãs de sol.

Arrebol. Mas onde foram parar os versos

- diversos - que me lembravam sons de harpa?

Escarpas também escondem letras,

palavras,

que degolam sentimentos,

momentos naufragados na memória,

que não tem cor,

mas comporta-se como real camaleão

e, à-toa mesmo, traz de volta

o amargo da língua.

 

Basilina Pereira